Quais transformações sofreram os espaços com a questão digital?
Como Mark Fisher e Jodi Dean podem nos ensinar sobre o desaparecimento dos espaços físicos.
Para o falecido filósofo e crítico cultural britânico Mark Fisher, deveria existir um hífen com elemento de conexão entre as palavras “ciberespaço” e tempo. Derivando do termo “cyberspace” cunhado pelo escritor William Gibson (romancista que influenciou o filme Matrix) acerca da virtualidade da realidade, o pensador neomarxista flexiona o tempo no conceito para dar volume à noção de que a ciberespacialidade não é construída sem uma temporalidade que cruza ambas as esferas da vida: a digital e a material. Ainda que, o tempo seja inconstante enquanto percepcionado pelos nossos sentidos, a emergência de redes de ‘internet’ para telefonia móvel, os ‘smartphones’ e agora o 5G, mudam tudo. A nossa capacidade de sentir a passagem do tempo varia conforme o “espaço”, e as novas redes móveis acabam por preencher a lacuna entre a banda larga doméstica e a dos telemóveis, a virtualidade impositiva (cyber, do grego * KYBERNAN*, timoneiro, líder, navegador) agora está em todos os lugares. A fronteira entre a rede doméstica e o espaço público, cujo acesso era fisicamente diferenciável pelo indivíduo, foi demolida pela constante presença da informação, dos amigos, familiares e do trabalho que carregamos em nossos bolsos.
Um dos problemas que surgem no bojo da “ciberização” da vida é a diferença entre o período inicial da ‘internet’ com a maneira como os seres humanos são introduzidos na sociedade hoje-em-dia. No passado, durante a ‘internet’ primitiva das redes discadas e dos altos custos para a aquisição de um portátil (seja um “personal computer” ou um notebook) a entrada no ciberespaço dava-se de maneira ativa e consentida. Em oposição ao consenso, a cibervida é hoje intrinsecamente essencial à vida cotidiana, seja dos infantes ou dos adultos. Não há consentimento quando a escola, a burocracia e os departamentos de recrutamento de pessoal demandam a obrigatoriedade do acesso à rede, a inscrição em redes sociais e aos ‘softwares’ de teletrabalho; não há liberdade de escolha quando os famigerados “recursos humanos” eliminam candidatos em potencial simplesmente por estes não possuírem uma conta no “Facebook” ou “Instagram”.
No pensamento de Fisher, a crise emerge quando existe um “frenesi de atividade onde nada acontece”. Os grandes centros urbanos como Londres, São Paulo e Nova Iorque são colmeias humanas compressoras do espaço e do tempo dadas as suas verticalizações urbanas e digitais. O capitalismo em sua forma neo-liberal, produz formas de convivência (intimamente associadas aos modos-de-produção, portanto, da tecnologia) onde a comunicação é o objeto inerte da sua obsessão: o trabalhador, o companheiro (pai ou mãe, esposos ou não) e o cidadão tem a obrigatoriedade em estar constante e emocionalmente disponível para fornecer respostas, ainda que tais respostas não originem algum conteúdo significativo e transformativo.
Para Jodi Dean, falamos de um “capitalismo comunicativo”, onde os atos de falar e expressar são cindidos. A comunicação é destituída do ser caráter potencialmente político e reificada em prol do sistema produtivo. Com o colapso entre o público e o privado na colonização da esfera da vida particular através das redes sociais, a persona (o indivíduo performático) emerge: cada foto, cada ‘tweet’ e cada post é um elemento da sua “marca pessoal” pronto para ser contabilizado enquanto elemento de agregação de valor do “eu” em um mercado profissional decrescente e mais disputado. Para romper com essa modalidade de produção de sujeitos e coisas, conclui-se, é engajar com o rompimento espaciotemporal da sua rede de afetos. É sair da urbe, da vida e sociedade para um mundo da não-existência, pois, como nos indiciou Baudrillard, as imagens vazias geradas pela hiper-realidade obscurecem não haver nada por detrás do símbolo; o(s) espaço(s), torna(m)-se o artifício da morte do político.