Temos um grande problema em nossas mãos com a agenda brasileira que se assinala neste ano de 2016. Como todos os leitores bem devem saber, somos um povo de memória curta e com enormes dificuldades em concretizar planejamentos anunciados. E é sobre a categoria "tempo” – e as suas respectivas demandas e requisitos a nível social e económico – que devemos aqui conversar.
Com o congelamento dos gastos públicos, o governo e a gestão por detrás de Temer, assinalam ao povo uma opção desastrosa para o nosso futuro: em toda a sua incapacidade de planejamento, ou melhor, de elaboração de um projeto verdadeiramente nacional e sustentável de crescimento, eles (os financiadores políticos e sociais da mudança de regime) optam pelo imediatismo da austeridade e abraçam acriticamente o mercado financeiro.
O que hoje vemos nos Estados Unidos em termos de sustentabilidade de um império, nada mais é que a congregação de inúmeros fatores que aliaram o Estado à iniciativa empreenderora e que por sua vez, fornece-nos uma luz para analisar e balizar as opções de recuperação dentro do cenário depressivo e conversador pela qual a sociedade brasileira está passando. O futuro, mesmo com todas as suas incertezas, é inequivocamente orientado pelo investimento tecnológico e esse deve começar a ser trilhado desde cedo. Como um time que decide elaborar um plano para conquistar um título nacional, os trabalhos devem começar pela base, pela infraestrutura e o seu capital humano: a ciência e o emprego são dois elementos indissociáveis dentro de qualquer econômia avançada e dinâmica.
A tecnologia tem gerado impactos importantes nos índices de produtividade, nos hábitos de consumo, na produção de conteúdo cultural e informacional, como também na geração de novas formas de organizarmos processos de produção e trabalho; inclusive alterando negativamente as diferenças entre as classes em diversos países que, historicamente, haviam diminuído as distâncias entre os seus habitantes. Qualquer rápida pesquisa pela internet pode indicar a veracidade dos fatos. Mas cada avanço traz consigo algum ônus requisitante de compensões, tributos que só podem ser entregues pelas mãos d’uma sociedade civil organizada e politicamente madura.
Em livro recente e ainda sem tradução para o português, dois pesquisadores estadunidenses afirmam que vivemos uma nova revolução das máquinas, se não semelhante em intensidade, definitivamente tão reestruturante quanto àquela vivida pelos homens da Primeira Revolução Industrial. The Second Machine Age é uma leitura obrigatória para qualquer administrador, empresário ou economista sério que sonha em fazer parte de algo maior que o próprio umbigo. No livro, Brynjolfsson e McAfee, ambos associados ao Massachussets Institute of Technology, demonstram como a revolução digital abriu as portas da humanidade para um novo futuro tecnológico, transformador e criativo em tal grau, que antes era apenas possível em sonhos da literatura e do cinema. Uma nova geometria em processos de inovação está sendo configurada neste exato instante, contando com inovações em digitalização da informação e da produção humana em tempos remotos e presentes. E elas atacam uma questão que nos é importante, não apenas pelos impactos na sociedade estadunidense como ao Brasil: a reorganização do mundo do trabalho.
A grande questão a ser lançada para o “nós” do futuro é a qual grau será estabelecida a conformação dos novos mercados e dos processos produtivos à essas tecnologias e a democratização desses meios pelo acesso da maioria dos cidadãos à essas fontes de reprodução social e intelectual. A automação, é bem verdade, elimina a necessidade de mão-de-obra pouco qualificada, enquanto a digitalização atua na redução drástica nos custos da inovação em organização, produtos e ideias. Essa dupla operação tem gerado níveis de riqueza sem precedentes. Mas a integração ao novo mundo da produção será limitado aos profissionais com níveis de qualificação e instrução acima da média, o que por sua vez impõe desafios à administração pública.
O desacoplamento entre a renda e a produtividade tem acarretado no aumento das distâncias sociais entre ricos e pobres, inclusive nos países avançados da América do Norte e Europa. Em 1999, um trabalhador médio (blue-collar) dos Estados Unidos ganhava aproximadamente 54,932 dólares/ano. Após 12 anos, essa renda caiu para 50,054 dólares em média. Em dados mais recentes, a expectativa é de queda mais acentuada.
Porquanto, vimos como a digitalização tem a potencialidade de abrir possibilidades de inovarmos (e reformarmos) mercados como também causar a erradicação de funções de baixa qualificação. Trabalhos manuais ou repetitivos (muitas das tarefas hoje executadas em escritórios) serão substituídos de maneira acelerada por robôs; novos modelos de negócios como airbnb, über, tripadvisor e processos dinâmicos de criação, inovação e incorporação já são a norma. Os Estados Unidos, verdadeiro Leviatã do mundo da investigação e do ensino superior, possuem uma infraestrutura de inovação e pesquisa de alto nível, com um saudável entrosamento entre a iniciativa privada e as instituições públicas do sistema de educação superior. É o caso da chamada Ivy League, onde Cornell, Harvard e o MIT são financiados através de recursos federais, estaduais e empresariais. O que vemos ao norto é oposto ao atual ecossistema brasileiro de inovação.
O diagnóstico para o Brasil, como pudemos ver, não é animador. O crescimento milagroso dos últimos vinte anos, acarretado principalmente pelos governos social-democratas, mesmo no atual contexto de recessão econômica, não foi impulsionado diretamente pelos nossos investimentos em P&D – muito menos na infraestrutura de ensino superior ou em alguma pretensa sinergia entre capital público e privado. Ao contrário do nosso grande irmão do hemisfério norte, cuja experiência em desenvolvimento tecnológico e a conhecida hegemonia política estiveram intimamente associados na gestão pública, a nossa capacidade em inovar, produzir conhecimento e comercializá-los tem, no caso tupiniquim, a epítome da inexpressividade. Com o corte das bolsas e a prospecção de cérebros na Europa e América do Norte, a perspectiva é de uma fuga de intelectuais e cientistas no futuro próximo.
Sem as reinversões necessárias para a sustentabilidade do crescimento, o período de expansão do mercado consumidor e da ampliação da oferta de mão-de-obra esgotou-se rapidamente com a proximidade do pleno emprego. O mesmo vale para as tentativas frustradas de criarmos uma infraestrutura de pesquisa que aliasse empresários aos planejamentos de longo prazo do Estado. A ausência de tal interface de investimento em capitais de risco em nosso sistema financeiro, a alta comoditização das exportações aliadas ao conservadorismo da nossa classe empresarial – e a alta carga tributária – acarretaram na debilidade que presenciamos atualmente na saúde da nossa economia. O Brasil tem um ambiente de negócios (maior do que o sistema tributário) que é hostil à inovação.
Todas as metodologias de mensuração de produtividade no Brasil têm apontado para o fracasso das políticas públicas, à letargia do empresariado e a expansão demográfica do setor mais envelhecido da população. O país perdeu a oportunidade de correr atrás do prejuízo e alcançar os países mais avançados. Com os atuais cortes e reformulações no governo Temer, alcançando a marca de redução em 40% de repasses ao Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações, e o congelamento dos gastos públicos com P&D somados à atual redução em R$120 milhões do orçamento da FAPESP, o país atua no contra-intuitivo e segue um receituário caduco e sem embasamento na realidade. Sem uma política intensiva em formação de capital humano e sem atrelar a pesquisa pública à indústria, as chances de emergirmos do oceano da crise diminuem a cada dia.
A curva demográfica brasileira está prestes a mudar. Com menos jovens e o sucateamento da tímida, porém necessária infraestrutura de ensino e pesquisa instalada pelo governo PT, os avanços alcançados desde a Constituição de 1988 estão sob o risco de serem perdidos nos ventos uivantes do imediatismo. Assim como a Argentina que se desindustrializou, corremos o tenebroso risco de concretizarmos o sonho udenista da nação exportadora agrícola como vocação.
*Republicação (na íntegra) de artigo de 2016.
Referências
DE NEGRI, Fernanda; CAVALCANTE, Luiz Ricardo. Produtividade no Brasil: desempenho e determinantes. Brasília: ABDI, 2014.
MCAFEE, Andrew; BRYNJOLFSSON, Erik. The Second Machine Age. NY: WW Norton & Company, 2014